quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Ah, Lisboa!

Nada melhor para iniciar a fase de posts sucintos e pessoais do que uma viagem à terra natal do meu futuro marido (na companhia do próprio). Tema sucinto apenas no sentido de que uma viagem a Lisboa deve ser  obrigatoriamente dividida em capítulos curtos, pois narrar todos os pratos de uma só vez poderia me matar. De tendinite ou de vergonha, já que eu comi como se cada refeição fosse minha última.

O Sr. Laurentino (o noivo) me fala sobre a comida lisboeta com ares de nostalgia e encantamento desde que nos conhecemos. Nada mais natural, vindo de um cozinheiro português que começou a carreira na cozinha de José Avillez. Ainda assim, devo admitir, esse patriotismo gastronômico com ares ufanistas sempre me soou deveras irritante por implicar um certo desprezo a qualquer derivação da culinária lusa fora de Portugal. O gajo no Brasil encontrou diversas oportunidades para lançar olhares lânguidos ao outro lado do Atlântico, vendo em todo lado um arremedo daquilo que segundo ele, só na sua Lisboa se faz direito. Tal hábito indignava-me por duas razões: uma por eu nunca ter pisado em Portugal, e portanto ter de me resignar à minha ignorância diante da comparação. Além disso, eu sempre tentei mostrá-lo que a comida brasileira não é cópia barata da portuguesa, mas coisa muito nossa (com óbvias influências dos colonizadores, entre outras evoluções naturais). Mas quem disse que ele me escuta?

Pelo grau de evocação apaixonada, calculo que a versão lisboeta das madeleines de Proust só pode ser o pastel de Belém. É o único paralelo que me ocorre para um homem tão obcecado por um doce como o Sr. Lauren é pelos pasteizinhos. Sempre que come uma versão diferente da original, ele não faz a mínima questão de esconder seu desapontamento e as saudades de casa que vêm com a detecção da maisena presente em todas as imitações. Por essa razão, meu primeiro destino em Lisboa foi a Fábrica dos Pastéis de Belém, para finalmente descobrir se toda essa devoção tinha fundamento ou se ele só fazia pra me irritar.

O lugar dá a impressão de não ter mudado nada com o passar dos anos, ainda que o número interminável de salões azulejados leve a supor que várias ampliações foram feitas ali para abrigar uma quantidade crescente de clientes. Durante o dia inteiro é um entra e sai constante de pessoas atraídas pela mística de uma receita secreta, conhecida por apenas três sujeitos e passada adiante somente no caso de um morrer. Visto que eu estava ainda mais faminta do que curiosa, pedimos croquetes de carne, rissóis de camarão e bolinhos de bacalhau para aplacar a fome e preservar o rigor da degustação. Fritura perfeita e um prenúncio da proporção massa/recheio que eu fiquei muito satisfeita em encontrar ao longo de toda a estadia.

Servida a sobremesa, concentrei-me para dar o veredito. Os dois portugueses que me acompanhavam nem mesmo demonstraram ansiedade com a expectativa, mas lançavam-me sorrisos marotos com ares de já ganhou. De fato, uma mordida bastou para convencer-me da superioridade do pastel de Belém. A massa dourada, finíssima e quebradiça humilha a folhada, utilizada em pastéis de nata genéricos mundo afora. Especula-se sobre o ingrediente secreto, e os palpites vão de fécula de batata a banha de porco. O recheio é composto unicamente de gemas e açúcar, e eu ainda encontro um tratado que discorra sobre a ciência que esse povo desenvolveu para combinar esses dois ingredientes de tantas e tão irresistíveis maneiras. (As cópias levam também natas, e a já mencionada maisena, que deixa a textura espessa além do ponto). As altas temperaturas dos fornos utilizados garantem a crocância da massa e a caramelização do recheio na superfície. Cada elemento atinge seu ápice, e o resultado é mesmo um doce sem paralelos.

Saí dali convertida a uma das maiores paixões portuguesas - senão a maior. Sabia que seria só o começo, a contar pela minha reiterada predileção por tudo o que vem daquela terra. E uma vez que essa intuição confirmou-se, cada uma das minhas descobertas lisboetas merecerá um post próprio nos próximos dias. Beijinhos e até a próxima!







Ah, Lisboa!

Nothing better to kick start the era of succinct and personal post than a trip to the hometown of my husband to-be (in his company). By succinct I mean that a visit to Lisbon must mandatorily be subdivided in short narratives, since describing at once all of the food I had there could actually kill me. With tendonitis or shame, seeing that I’ve eaten as if every meal was my last.

Mr. Laurentino (the fiance) talks nostalgically about the food in Lisbon to me ever since we met. I find it only natural, coming from a cook who began his carreer in the kitchen of chef José Avillez. Still, I have to admit that such gastronomic patriotism with jingoistic hints has always sounded quite annoying to me, for implying pure disdain towards any kind of offshoot of Lusitanian cuisine outside of Portugal. The man has found several opportunities in Brasil to throw languid stares to the other side of the Atlantic, seeing everywhere a mockery of what according to him could only be made properly back in his beloved Lisbon. That habit pissed the hell out of me for two reasons: 1) I had never stepped in Portuguese territory, and therefore could only come to terms with my own ignorance before the comparison. Besides, I’ve always tried to show him that Brazilian food doesn’t try to mimick that of Portugal: we have our own thing (with obvious influences from our once upon a time colonizers, among other aspects from natural evolution). But who said that he listens to me?

Judging by the degree of passionate evocation, I risk saying that Lisbon’s response to Proust’s madeleines is the pastel de Belém. It’s the only parallel that occurs to me for a man so obsessed by a piece of confectionery as Mr. Lauren is by the pasteizinhos. Whenever tasting a version different from the original, he doesn’t bother hiding his disappointment and the homesickness derived from the cornflour detected in all of the imitations. For that reason, my firts destination in Lisbon was Fábrica dos Pastéis de Belém, the one and only source of the real thing, in order to finally find out if such a devotion had grounds or if he did it only to annoy me.

A view of the place makes you think that nothing there has been altered along the years, even though the countless rooms covered in tiles leads to the assumption that it has been expanded in order to welcome an increasing number of customers. All day long, people come in attracted by the mystique of a secret recipe, known exclusively by three men and passed along only in case one of them dies. Since I was more starving than curious, we ordered croquetes de carne (meat croquettes), rissóis de camarão (shrimp patties) and bolinhos de bacalhau (cod fish balls) to appease the hunger and preserve the accuracy of the tasting. Perfect deep frying and an anticipation of the ratio batter/filling that I would happily find all along my stay in the city.

When “dessert” was served, I focused to give my verdict. The two Portuguese gentlemen who made me company weren’t even showing anxiety or expectation, instead they bore these presumptuous smiles knowing that I was in the bag. Indeed, one bite was enough to convince me of the superiority of pastéis de Belém. The golden, brittle, extremely thin crust puts to shame the puff pastry normally used in the generic versions sold around the world. Rumour has it that the secret ingredient would be potato starch or lard, but we can only speculate. The filling contains solely egg yolks and sugar, and let me just say: Portuguese people should have an enciclopedia on the science of combining these two ingredients in so many and such irresistible ways. (Pedestrian versions of the sweet also take cream and cornflour, this last ingredient usually resulting in a sturdy texture.) Precise oven temperatures confer crispness to the pastry and caramelization to the filling's surface. Each of the elements reaches its pinnacle, and the end result is in fact unparalleled.

By the time of leaving the place, I was fervently converted to one of Lisbon's strongest passions - if not the strongest. I could tell that was only the beginning, judging by my already predictable fondness of everything that comes from that place. Since that feeling was confirmed, eachof my Lisbon discoveries shall deserve a post of its own, coming up on the next few days.

Beijinhos!

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